quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O esquecimento da Região Norte

As pessoas do Norte, incluindo especialmente do Porto, têm historicamente alguma desconfiança em relação a tudo o que se faz e emana para o País a partir Lisboa, desde há séculos capital e sede da Corte Real e dos Governos da República desde 1910.

No futebol essa desconfiança foi substituída pela conhecida rivalidade entre os maiores clubes das duas principais cidades. Por essa razão, os grandes jogos, os que são vividos com maior paixão pelos seus adeptos, são indiscutivelmente o Porto-Benfica, o Porto-Sporting, ou o clássico Benfica-Sporting.

As razões para essa desconfiança, convertida em rivalidade desportiva, encontram razões históricas longínquas. Razões essencialmente fundadas no lançamento a partir da Capital de tributos, sejam reais, republicanos, ou democráticos. Mas sempre tributos, ou impostos, lançados sobre os súbditos, os cidadãos ou os contribuintes, consoante as épocas e os regimes. Decorrendo daí uma natural crença que as contrapartidas recebidas, pelas pessoas, ou pela sua região, ficam sempre aquém do seria justo retribuir-lhe. Por isso, Lisboa e a Corte foram sempre historicamente vistas com essa natural desconfiança, de serem um sorvedouro de recursos arrancados ao país profundo, que cria, que trabalha e que produz, devolvendo-lhe em troca sempre menos do que estes necessitavam ou do que mereciam. Certamente também por razões históricas, essa sensibilidade se encontra mais arreigada no Norte e particularmente na cidade do Porto. Cidade de mercadores, de empresários e de gente de trabalho, mas que nunca foi terra de acolhimento duradouro de fidalguia ociosa e gastadora, que desde sempre preferiu viver na proximidade do poder, onde os privilégios seriam (serão?) em princípio de mais fácil acesso.

Ora se em outras áreas essa desconfiança pode ser de razão duvidosa, ou pelo menos discutível, no plano ferroviário essas razões assistem com plena justiça à Região Norte em geral, e à área metropolitana do Porto em particular. De facto, se compararmos os investimentos em infra-estruturas ferroviária na área do Porto e na área de Lisboa, o Porto fica claramente a perder por muito, especialmente nos últimos quatro anos de governação do PS.

Vejamos as seguintes situações:

• Metro do Porto

O metro de Lisboa continuou a expandir-se sem quaisquer restrições, apesar do gigantesco endividamento da empresa. O metro do Porto tem avançado com enorme atraso em relação ao previsto, com muita polémica e sucessivos problemas com o seu modelo de governação, em que governo, empresa e autarquias, se têm confrontado em posições divergentes quando não mesmo antagónicas;

• Linha do Minho

A linha do Minho está duplicada (à excepção do chamado estrangulamento da Trofa) e electrificada em 41 Kms até Nine e mais 15Kms no Ramal de Braga. Mas a partir daí continua em via única com muitas restrições de velocidade, por diversos constrangimentos do estado da via, que aguarda renovação há vários anos. O troço modernizado até Nine e Nine-Braga é utilizado para o serviço Alfa Pendular, e entre Campanhã-Nine pelo serviço CP urbanos do Porto, para além do serviço regional e inter-regional que se prolonga até Viana do Castelo.


      Estação da Trofa

Esta situação constitui uma grande limitação na acessibilidade por via ferroviária a norte da zona metropolitana do grande Porto, porquanto a sua área de influência se estende hoje pelo menos até Viana do Castelo que fica à distância de 84 Kms de Porto Campanhã.

Embora esteja há vários anos projectada a quadruplicação da Linha entre Campanhã e Ermesinde, um troço completamente saturados pela sobreposição de tráfegos, Alfa Pendular, Inter-regional, Regional e urbano, nos últimos anos a gestão do PS parou todos os projectos existentes, deixando uma vez mais tudo parado na dependência da problemática da ligação do TGV a Espanha por Vigo.

• Linha do Douro

A Linha do Douro é porventura a linha com maior beleza natural de toda a rede ferroviária portuguesa. Possui 192 Kms de extensão dos quais só estão em exploração 163, com início em Ermesinde, onde se liga à Linha do Norte, até ao Pocinho. Como se sabe o troço entre Porto e Ermesinde faz parte da Linha do Norte. Em 1998 foi encerrado o troço entre Pocinho Barca D’Alva por onde prosseguia para Espanha com ligação à linha de Salamanca.

O troço entre Porto (São Bento) e Caíde 37,6 Kms, encontra-se renovado, com a linha duplicada e electrificada. A partir de Caíde o serviço CP urbanos ainda prossegue até Marco de Canaveses, mas como a partir de Caíde a linha não está electrificada, para percorrer mais esses 14 Kms entre Caíde e o Marco torna-se necessário fazer o transbordo dos passageiros para automotoras diesel. Ou seja, um atraso do terceiro mundo.

O serviço do início ao termo da Linha em exploração, entre Porto (São Bento) e o Pocinho, na extensão de 163 Kms, é assegurado por automotoras da série 600/650, em aproximadamente 3h:15m, a uma média de 50 Kms/h, tempo, apesar de tudo, nunca dado por perdido perante as deslumbrantes paisagens emolduradas pelos socalcos do Douro vinhateiro, onde nasce o mundialmente famoso vinho do Porto.



     Linha e Socalcos do Douro

Como não há mal que sempre dure, também a Linha do Douro acaba de ser contemplada com o lançamento dos anúncios dos concursos públicos para adjudicação das empreitadas de modernização dos troços Caíde – Livração – Marco de Canavezes, saídos no Diário da República em Agosto último, isto é na véspera das eleições, uma vez mais.



Também neste caso, à semelhança do que temos vindo a constatar noutras situações de idêntica imobilidade nos últimos anos, a gestão do PS nos últimos quatro anos, com maioria absoluta, em que deteve todos os instrumentos para decidir e realizar, não o fez e apressa-se agora a lançar anúncios de concursos que outros irão executar. Como não tem obra feita para inaugurar, pelo menos tem percorrido o País em cerimónias de anúncios de concursos, que saem agora em catadupa e a toda a pressa mesmo na véspera de eleições. Se não é de propósito, é pelo menos de uma grande coincidência.

Como é perfeitamente claro, a partir do conjunto de situações assinaladas, são manifestos os grandes constrangimentos nas actuais acessibilidades por caminho de ferro na área metropolitana do grande Porto. Sendo também inequívoco o atraso registado e a falta de investimento público na renovação das suas infra-estruturas ferroviárias.

De facto, no capítulo das acessibilidades ao Porto tem inegavelmente de reconhecer-se que, por força da paralisação do investimento em infra-estruturas ferroviárias, decorrente do esquecimento governativo a que foi votada nos últimos anos, a Região Norte encontra-se hoje claramente em desvantagem em relação à região da área metropolitana de Lisboa.