quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O desprezo pela Linha do Vouga


A Linha do Vouga faz a actualmente a ligação de Espinho a Aveiro, atravessando os concelhos de Santa Maria da Feira, São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha e Águeda, numa extensão de 96,2 quilómetros, servida por 13 estações, 32 apeadeiros e atravessa 33 pontes. A sua bitola, a distância entre carris, é de 1000mm, ou seja via métrica, também vulgarmente designada por Via Estreita, para a distinguir da chamada Via Larga, ou ibérica, cuja bitola é de 1668 mm.

Após o encerramento em 1989 do troço entre Sernada do Vouga e Viseu, a Linha do Vouga conta actualmente com dois itinerários: o itinerário entre Espinho a Sernada do Vouga com 61,5 Kms de extensão e o itinerário ente Sernada do Vouga e Aveiro com 37,7 kms, em tempos designado por Ramal de Aveiro. Nestes dois itinerários, os troços geradores de maior tráfego de são o troço de Oliveira de Azeméis a Espinho, no itinerário entre Sernada e Espinho; e o troço de Águeda a Aveiro, no itinerário de Sernada a Aveiro.

A linha do Vouga, como de resto todas as outras linhas de via estreita, apenas faz actualmente serviço de passageiros, nelas não circulando quaisquer comboios de mercadorias. Para além do facto de se tratar de linhas em via única, uma única via utilizada nos dois sentidos, com sistema de cantonamento telefónico, que se mantém desde a sua inauguração no final do sec. XIX, a Linha também não está electrificada, tal como as restantes linhas de via estreita. O regime de exploração matem-se assim completamente antiquado, implicando grandes limitações para o número de comboios que é possível por a circular em simultâneo nestas condições da linha.


   Estação de Couto Cucujães na Linha do Vouga

E esta questão é tanto mais importante, porquanto a Linha do Vouga tem revelado um crescente aumento de passageiros sempre que a CP aumenta o número de comboios nos troços que registam maior procura. De resto as reclamações mais insistentes por parte das populações, residem precisamente na insuficiência do número de comboios e na desadequação dos horários às suas reais necessidades de deslocação.

Por outro lado o registo do aumento crescente de passageiros mostra que a Linha do Vouga não está moribunda, pelo contrário. O que acontece é que a Linha e as populações que serve têm sido sistematicamente desprezadas pela governação dos últimos anos. Efectivamente como mostram as reinvindicações das populações por mais comboios e horários mais adaptados é que a Linha do Vouga continua a ser uma infra-estrutura vital para as populações, como eixo fundamental para as acessibilidades da região mais industrializada do País.

Repare-se que em 2008, em resultado do aumento do número de comboios diários, foram transportadas 678 mil passageiros na Linha do Vouga, mais 120 mil que em 2006. Deste número, cerca metade refere-se ao troço Aveiro-Águeda, que corresponde verdadeiramente ao tráfego suburbano de Aveiro com penetração para a zona centro.



De tal modo que o Governo, a REFER e a CP têm vindo a ser fortemente pressionadas pelos Autarcas representantes poder local, exigindo-lhes que façam investimento na melhoria das condições da Linha, por forma a permitir dispor de mais comboios diários e horários mais consentâneos com a vida das populações. A segurança é indiscutivelmente muito importante. Os atravessamentos da linha são fontes permanentes de insegurança e, infelizmente, de graves acidentes que todos desejamos poderem ser evitados. A insegurança das passagens de nível é sem dúvida um problema importante, com que nos devemos preocupar e resolver. Mas a REFER não pode limitar-se à questão das passagens de nível. Tem certamente que ter um departamento especializado e integralmente dedicado a essa causa tão importante para segurança. Mas a empresa tem que fazer mais que isso.

Na Linha do Vouga, pressionados com diversas manifestações públicas de desagrado dos Autarcas e populações, os responsáveis pela gestão do PS, vieram agora à pressa em ano de eleições, tentar acalmar o justificado descontentamento, assinando um protocolo com as câmaras de Aveiro e de Águeda em que prometem vir a realizar um pequeno investimento de 9 milhões de euros, a partir de uma candidatura a fundos comunitários que irá ser apresentada ao abrigo do QREN. O anúncio traduzido em discurso e notícias nos jornais é de que se visa implementar o que designaram por programa de comboios frequentes. Já mesmo em plena campanha eleitoral a CP veio anunciar na passada terça-feira dia 22 de Setembro, a entrada em funcionamento de mais um comboio Aveiro-Águeda, a sair de Aveiro às 6:45 da manhã, passando para 11 comboios diários neste troço onde a oferta continua ainda assim muito abaixo do que seria razoável.

De facto não é com pequenos paliativos, feitos à pressão em tempo de eleições, que se resolvem problemas estruturais das acessibilidades do País com estratégia, com rigor e com sustentabilidade. A Linha do Vouga representa uma situação que ilustra bem a falta de um plano nacional ferroviário, assente numa estratégia nacional e no seu contributo para a coesão e o equilíbrio regional de desenvolvimento potencial e sustentável.

Quem esteja convencido que o País se desenvolve exclusivamente a partir de grandes investimentos, como o TGV e o novo aeroporto, ou está enganado ou a tentar enganar os portugueses. O País só se desenvolve se conseguir avançar no caminho do progresso como um todo. Se canalizar todos os seus recursos, ou se endividar ainda mais, para prosseguir apenas nesse caminho deixando o resto do País com infra-estruturas que não evoluíram praticamente desde a sua construção no final do séc. XIX, Portugal não deixará de ser um subdesenvolvido.

O País precisa, hoje talvez mais do que nunca de promover, de aumentar o investimento público, para revitalizar a economia e sair da crise. Precisa de incentivar o investimento e o consumo privado e precisa especialmente de criar empregos. E para isso o investimento público em pequenos projectos diversificados ao longo do País e em vários sectores é fundamental.

O desprezo pelas necessidades das populações do interior, o encerramento, ou o conformismo com a progressiva degradação de infra-estruturas do caminho de ferro, vitais para comunidades e regiões (Linha do Algarve, Linha de Cascais; Linha do Vouga, Linha do Douro, Linha do Minho, Linha do Oeste, entre outras), são uma marca deixada pela gestão do PS nestes últimos quatro anos. Apesar do deslumbramento dos anúncios e dos vários concursos cuja execução demora pelo menos uma legislatura e só agora lançados. Pois inaugurem-se os anúncios, inaugure-se o lançamento dos concursos, inaugure-se o início dos projectos, inaugure-se a primeira pedra, inaugure-se o primeiro troço de 100 metros, inaugure-se o que se anuncia e o que apenas se começou, sobretudo quando (como os exemplos acima referidos mostram) não há nada, ou quase nada, de concluído para inaugurar.


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