sábado, 19 de setembro de 2009

O desnorte na Linha do Norte


A linha do Norte que liga as duas maiores cidades do país é considerada a coluna vertebral do sistema ferroviário português. A sua modernização beneficiará não só a aproximação entre Lisboa e Porto, mas também a acessibilidade de cidades interiores conectadas à linha do Norte, através das linhas da Beira Alta e da Beira Baixa, permitindo reduzir substancialmente os tempos de viagem por caminho de ferro entre as principais cidades do norte e do centro e a capital do país. A sua modernização tem por isso uma importância acrescida no plano económico e social.


No inicio da actual legislatura, cerca de dois terços da extensão da linha do Norte encontravam-se então já renovados, prevendo-se à data que a ambicionada conclusão do projecto de renovação integral da linha viesse a ficar terminada no primeiro trimestre de 2008. Como se sabe, apesar das boas intenções dos discursos e do habitual rigor dos planos, após mais de uma década de renovação da linha, e muitos milhões de euros depois, as obras não têm ainda fim à vista e o tempo de percurso de comboio entre Lisboa e o Porto, continua a demorar cerca de 2 horas e 40 minutos, ou seja, com um modesto ganho de uns escassos minutos a menos do que há 30 anos.


Não sendo o projecto de renovação da linha do Norte um problema recente, nem a sua origem da responsabilidade deste governo, não pode ainda assim deixar de assinalar-se a confusão gerada nestes últimos anos, com graves reflexos no arrastar do projecto e, sobretudo, a sua contaminação com a problemática urgência do designado TGV. De facto, a partir da polémica gerada em torno da discussão sobre a hipótese de construção de uma nova linha exclusiva para a alta velocidade, o mérito da  exploração comercial pensada inicialmente para a linha do Norte começou a ser posta em dúvida. Ou seja, de uma linha prioritária, considerada como a coluna dorsal do sistema, com a hipótese da construção de uma nova linha paralela para o TGV em bitola europeia, a linha do Norte passou a ser perspectivada como mais uma linha da rede convencional de via larga, destinada a tráfegos intercidades, regionais, suburbanos e de mercadorias, mais conjugáveis e menos prioritários.


Instalada esta nova visão do futuro para a linha do Norte, cuja concorrência com a nova linha a construir se tornou imperioso evitar, a sua consequência imediata foi mais uma brusca frenagem nas obras de renovação, determinando-se a reavaliação dos estudos anteriores e dos projectos ainda em curso, alterando os parâmetros para a velocidade máxima de 160 Km/h, ao que inicialmente tinha sido projectado para a velocidade de 220 Km/h.


Desta nova e abrupta reorientação do projecto de renovação decorrem naturalmente várias contingências e  outras tantas interrogações. A primeira diz respeito ao repentino volte face das prioridades de política e de investimento. Um dos problemas actuais na linha do Norte, como se sabe, consiste na sobreposição de vários tráfegos, especialmente nas zonas de proximidade de Lisboa e Porto, onde ao tráfego de longo curso se sobrepõe o tráfego suburbano de passageiros. Para essas zonas tem-se encarado a quadruplicação das vias como a solução técnica para o problema, que, não obstante, enfrenta enormes constrangimentos no plano prático, dado que parte desses troços se situa actualmente dentro da malha urbana das áreas metropolitanas.


Por outro lado, tendo refreado o ritmo das obras, a REFER atrasou também a possibilidade de estabilização da velocidade na linha do Norte, que tem hoje cerca de 30 afrouxamentos por restrições de vária ordem, e sem a qual não será praticamente possível reduzir os tempos de percurso. E começam então agora a surgir as questões que mais queimam nesta nova configuração, com duas linhas praticamente paralelas Lisboa-Porto. Entre outras: - Como tirar rentabilidade do pesado investimento de muitos e muitos milhões, realizado ao longo de mais de uma década, na renovação da linha do Norte? - Qual o futuro para os comboios Pendulares, na hipótese de serem afastados da concorrência com a alta velocidade?


Ou seja, a emergência assumida por este governo ao considerar a prioridade do TGV entre Lisboa e Porto, com a sua ligação a Espanha, a norte por Vigo, veio introduzir mais desnorte na já complexa engrenagem do projecto de renovação da linha do Norte, travou o investimento, atrasou as obras de renovação, e continuam por resolver todos os problemas anteriores.



Próximo tema:
O congelamento da electrificação

Sem comentários:

Enviar um comentário