quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O esquecimento da Região Norte

As pessoas do Norte, incluindo especialmente do Porto, têm historicamente alguma desconfiança em relação a tudo o que se faz e emana para o País a partir Lisboa, desde há séculos capital e sede da Corte Real e dos Governos da República desde 1910.

No futebol essa desconfiança foi substituída pela conhecida rivalidade entre os maiores clubes das duas principais cidades. Por essa razão, os grandes jogos, os que são vividos com maior paixão pelos seus adeptos, são indiscutivelmente o Porto-Benfica, o Porto-Sporting, ou o clássico Benfica-Sporting.

As razões para essa desconfiança, convertida em rivalidade desportiva, encontram razões históricas longínquas. Razões essencialmente fundadas no lançamento a partir da Capital de tributos, sejam reais, republicanos, ou democráticos. Mas sempre tributos, ou impostos, lançados sobre os súbditos, os cidadãos ou os contribuintes, consoante as épocas e os regimes. Decorrendo daí uma natural crença que as contrapartidas recebidas, pelas pessoas, ou pela sua região, ficam sempre aquém do seria justo retribuir-lhe. Por isso, Lisboa e a Corte foram sempre historicamente vistas com essa natural desconfiança, de serem um sorvedouro de recursos arrancados ao país profundo, que cria, que trabalha e que produz, devolvendo-lhe em troca sempre menos do que estes necessitavam ou do que mereciam. Certamente também por razões históricas, essa sensibilidade se encontra mais arreigada no Norte e particularmente na cidade do Porto. Cidade de mercadores, de empresários e de gente de trabalho, mas que nunca foi terra de acolhimento duradouro de fidalguia ociosa e gastadora, que desde sempre preferiu viver na proximidade do poder, onde os privilégios seriam (serão?) em princípio de mais fácil acesso.

Ora se em outras áreas essa desconfiança pode ser de razão duvidosa, ou pelo menos discutível, no plano ferroviário essas razões assistem com plena justiça à Região Norte em geral, e à área metropolitana do Porto em particular. De facto, se compararmos os investimentos em infra-estruturas ferroviária na área do Porto e na área de Lisboa, o Porto fica claramente a perder por muito, especialmente nos últimos quatro anos de governação do PS.

Vejamos as seguintes situações:

• Metro do Porto

O metro de Lisboa continuou a expandir-se sem quaisquer restrições, apesar do gigantesco endividamento da empresa. O metro do Porto tem avançado com enorme atraso em relação ao previsto, com muita polémica e sucessivos problemas com o seu modelo de governação, em que governo, empresa e autarquias, se têm confrontado em posições divergentes quando não mesmo antagónicas;

• Linha do Minho

A linha do Minho está duplicada (à excepção do chamado estrangulamento da Trofa) e electrificada em 41 Kms até Nine e mais 15Kms no Ramal de Braga. Mas a partir daí continua em via única com muitas restrições de velocidade, por diversos constrangimentos do estado da via, que aguarda renovação há vários anos. O troço modernizado até Nine e Nine-Braga é utilizado para o serviço Alfa Pendular, e entre Campanhã-Nine pelo serviço CP urbanos do Porto, para além do serviço regional e inter-regional que se prolonga até Viana do Castelo.


      Estação da Trofa

Esta situação constitui uma grande limitação na acessibilidade por via ferroviária a norte da zona metropolitana do grande Porto, porquanto a sua área de influência se estende hoje pelo menos até Viana do Castelo que fica à distância de 84 Kms de Porto Campanhã.

Embora esteja há vários anos projectada a quadruplicação da Linha entre Campanhã e Ermesinde, um troço completamente saturados pela sobreposição de tráfegos, Alfa Pendular, Inter-regional, Regional e urbano, nos últimos anos a gestão do PS parou todos os projectos existentes, deixando uma vez mais tudo parado na dependência da problemática da ligação do TGV a Espanha por Vigo.

• Linha do Douro

A Linha do Douro é porventura a linha com maior beleza natural de toda a rede ferroviária portuguesa. Possui 192 Kms de extensão dos quais só estão em exploração 163, com início em Ermesinde, onde se liga à Linha do Norte, até ao Pocinho. Como se sabe o troço entre Porto e Ermesinde faz parte da Linha do Norte. Em 1998 foi encerrado o troço entre Pocinho Barca D’Alva por onde prosseguia para Espanha com ligação à linha de Salamanca.

O troço entre Porto (São Bento) e Caíde 37,6 Kms, encontra-se renovado, com a linha duplicada e electrificada. A partir de Caíde o serviço CP urbanos ainda prossegue até Marco de Canaveses, mas como a partir de Caíde a linha não está electrificada, para percorrer mais esses 14 Kms entre Caíde e o Marco torna-se necessário fazer o transbordo dos passageiros para automotoras diesel. Ou seja, um atraso do terceiro mundo.

O serviço do início ao termo da Linha em exploração, entre Porto (São Bento) e o Pocinho, na extensão de 163 Kms, é assegurado por automotoras da série 600/650, em aproximadamente 3h:15m, a uma média de 50 Kms/h, tempo, apesar de tudo, nunca dado por perdido perante as deslumbrantes paisagens emolduradas pelos socalcos do Douro vinhateiro, onde nasce o mundialmente famoso vinho do Porto.



     Linha e Socalcos do Douro

Como não há mal que sempre dure, também a Linha do Douro acaba de ser contemplada com o lançamento dos anúncios dos concursos públicos para adjudicação das empreitadas de modernização dos troços Caíde – Livração – Marco de Canavezes, saídos no Diário da República em Agosto último, isto é na véspera das eleições, uma vez mais.



Também neste caso, à semelhança do que temos vindo a constatar noutras situações de idêntica imobilidade nos últimos anos, a gestão do PS nos últimos quatro anos, com maioria absoluta, em que deteve todos os instrumentos para decidir e realizar, não o fez e apressa-se agora a lançar anúncios de concursos que outros irão executar. Como não tem obra feita para inaugurar, pelo menos tem percorrido o País em cerimónias de anúncios de concursos, que saem agora em catadupa e a toda a pressa mesmo na véspera de eleições. Se não é de propósito, é pelo menos de uma grande coincidência.

Como é perfeitamente claro, a partir do conjunto de situações assinaladas, são manifestos os grandes constrangimentos nas actuais acessibilidades por caminho de ferro na área metropolitana do grande Porto. Sendo também inequívoco o atraso registado e a falta de investimento público na renovação das suas infra-estruturas ferroviárias.

De facto, no capítulo das acessibilidades ao Porto tem inegavelmente de reconhecer-se que, por força da paralisação do investimento em infra-estruturas ferroviárias, decorrente do esquecimento governativo a que foi votada nos últimos anos, a Região Norte encontra-se hoje claramente em desvantagem em relação à região da área metropolitana de Lisboa.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O desprezo pela Linha do Vouga


A Linha do Vouga faz a actualmente a ligação de Espinho a Aveiro, atravessando os concelhos de Santa Maria da Feira, São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha e Águeda, numa extensão de 96,2 quilómetros, servida por 13 estações, 32 apeadeiros e atravessa 33 pontes. A sua bitola, a distância entre carris, é de 1000mm, ou seja via métrica, também vulgarmente designada por Via Estreita, para a distinguir da chamada Via Larga, ou ibérica, cuja bitola é de 1668 mm.

Após o encerramento em 1989 do troço entre Sernada do Vouga e Viseu, a Linha do Vouga conta actualmente com dois itinerários: o itinerário entre Espinho a Sernada do Vouga com 61,5 Kms de extensão e o itinerário ente Sernada do Vouga e Aveiro com 37,7 kms, em tempos designado por Ramal de Aveiro. Nestes dois itinerários, os troços geradores de maior tráfego de são o troço de Oliveira de Azeméis a Espinho, no itinerário entre Sernada e Espinho; e o troço de Águeda a Aveiro, no itinerário de Sernada a Aveiro.

A linha do Vouga, como de resto todas as outras linhas de via estreita, apenas faz actualmente serviço de passageiros, nelas não circulando quaisquer comboios de mercadorias. Para além do facto de se tratar de linhas em via única, uma única via utilizada nos dois sentidos, com sistema de cantonamento telefónico, que se mantém desde a sua inauguração no final do sec. XIX, a Linha também não está electrificada, tal como as restantes linhas de via estreita. O regime de exploração matem-se assim completamente antiquado, implicando grandes limitações para o número de comboios que é possível por a circular em simultâneo nestas condições da linha.


   Estação de Couto Cucujães na Linha do Vouga

E esta questão é tanto mais importante, porquanto a Linha do Vouga tem revelado um crescente aumento de passageiros sempre que a CP aumenta o número de comboios nos troços que registam maior procura. De resto as reclamações mais insistentes por parte das populações, residem precisamente na insuficiência do número de comboios e na desadequação dos horários às suas reais necessidades de deslocação.

Por outro lado o registo do aumento crescente de passageiros mostra que a Linha do Vouga não está moribunda, pelo contrário. O que acontece é que a Linha e as populações que serve têm sido sistematicamente desprezadas pela governação dos últimos anos. Efectivamente como mostram as reinvindicações das populações por mais comboios e horários mais adaptados é que a Linha do Vouga continua a ser uma infra-estrutura vital para as populações, como eixo fundamental para as acessibilidades da região mais industrializada do País.

Repare-se que em 2008, em resultado do aumento do número de comboios diários, foram transportadas 678 mil passageiros na Linha do Vouga, mais 120 mil que em 2006. Deste número, cerca metade refere-se ao troço Aveiro-Águeda, que corresponde verdadeiramente ao tráfego suburbano de Aveiro com penetração para a zona centro.



De tal modo que o Governo, a REFER e a CP têm vindo a ser fortemente pressionadas pelos Autarcas representantes poder local, exigindo-lhes que façam investimento na melhoria das condições da Linha, por forma a permitir dispor de mais comboios diários e horários mais consentâneos com a vida das populações. A segurança é indiscutivelmente muito importante. Os atravessamentos da linha são fontes permanentes de insegurança e, infelizmente, de graves acidentes que todos desejamos poderem ser evitados. A insegurança das passagens de nível é sem dúvida um problema importante, com que nos devemos preocupar e resolver. Mas a REFER não pode limitar-se à questão das passagens de nível. Tem certamente que ter um departamento especializado e integralmente dedicado a essa causa tão importante para segurança. Mas a empresa tem que fazer mais que isso.

Na Linha do Vouga, pressionados com diversas manifestações públicas de desagrado dos Autarcas e populações, os responsáveis pela gestão do PS, vieram agora à pressa em ano de eleições, tentar acalmar o justificado descontentamento, assinando um protocolo com as câmaras de Aveiro e de Águeda em que prometem vir a realizar um pequeno investimento de 9 milhões de euros, a partir de uma candidatura a fundos comunitários que irá ser apresentada ao abrigo do QREN. O anúncio traduzido em discurso e notícias nos jornais é de que se visa implementar o que designaram por programa de comboios frequentes. Já mesmo em plena campanha eleitoral a CP veio anunciar na passada terça-feira dia 22 de Setembro, a entrada em funcionamento de mais um comboio Aveiro-Águeda, a sair de Aveiro às 6:45 da manhã, passando para 11 comboios diários neste troço onde a oferta continua ainda assim muito abaixo do que seria razoável.

De facto não é com pequenos paliativos, feitos à pressão em tempo de eleições, que se resolvem problemas estruturais das acessibilidades do País com estratégia, com rigor e com sustentabilidade. A Linha do Vouga representa uma situação que ilustra bem a falta de um plano nacional ferroviário, assente numa estratégia nacional e no seu contributo para a coesão e o equilíbrio regional de desenvolvimento potencial e sustentável.

Quem esteja convencido que o País se desenvolve exclusivamente a partir de grandes investimentos, como o TGV e o novo aeroporto, ou está enganado ou a tentar enganar os portugueses. O País só se desenvolve se conseguir avançar no caminho do progresso como um todo. Se canalizar todos os seus recursos, ou se endividar ainda mais, para prosseguir apenas nesse caminho deixando o resto do País com infra-estruturas que não evoluíram praticamente desde a sua construção no final do séc. XIX, Portugal não deixará de ser um subdesenvolvido.

O País precisa, hoje talvez mais do que nunca de promover, de aumentar o investimento público, para revitalizar a economia e sair da crise. Precisa de incentivar o investimento e o consumo privado e precisa especialmente de criar empregos. E para isso o investimento público em pequenos projectos diversificados ao longo do País e em vários sectores é fundamental.

O desprezo pelas necessidades das populações do interior, o encerramento, ou o conformismo com a progressiva degradação de infra-estruturas do caminho de ferro, vitais para comunidades e regiões (Linha do Algarve, Linha de Cascais; Linha do Vouga, Linha do Douro, Linha do Minho, Linha do Oeste, entre outras), são uma marca deixada pela gestão do PS nestes últimos quatro anos. Apesar do deslumbramento dos anúncios e dos vários concursos cuja execução demora pelo menos uma legislatura e só agora lançados. Pois inaugurem-se os anúncios, inaugure-se o lançamento dos concursos, inaugure-se o início dos projectos, inaugure-se a primeira pedra, inaugure-se o primeiro troço de 100 metros, inaugure-se o que se anuncia e o que apenas se começou, sobretudo quando (como os exemplos acima referidos mostram) não há nada, ou quase nada, de concluído para inaugurar.


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O esquecimento da Região Norte

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A degradação da Linha de Cascais


Projectada com inspiração na Riviera francesa, conjuntamente com projectos associados ao lazer e à concessão do jogo, a Linha de Cascais liga a estação de Cais do Sodré, em Lisboa, à estação de Cascais. Possui uma extensão de 25,5 km e foi inaugurada a 30 de Setembro de 1889, estando apenas a oito dias de completar 120 anos.

Mais ou menos por essa época, Cascais tornou-se especialmente conhecida pela realização de grandes regatas internacionais patrocinadas pela Casa Real que, aqui instalou o Paço Real na fortaleza de Cidadela, após o seu regresso do Brasil. Na memória estava ainda presente, a vantagem que representava uma localização estratégica com maior facilidade de eventual de retirada, e as pilhagens praticadas pelas invasões napoleónicas. A natural atracção pela proximidade da Corte fez com que aqui se tenham vindo a instalar algumas das famílias abastadas do país. As construções apalaçadas começaram assim a surgir progressivamente. O mesmo foi acontecendo ao longo da Linha, tendo começado a surgir os famosos chalés no Estoril, na Parede, em Oeiras e em Carcavelos.


   Próximo de Caxias

Após o simbolismo da romântica vila de Sintra, ter uma residência em Cascais ou no Estoril, tornou-se um sinal de prosperidade e de prestígio social, como elemento identificador de famílias com posses e passado. Junto à estação do Estoril, habitada por diversos monarcas no exílio (como os reis de Itália e de Espanha) foi construído Casino do Estoril, que já foi em tempos classificado como um dos maiores da Europa.

Neste contexto social de elite, o interesse pela Linha de Cascais foi aumentando progressivamente. De tal modo que logo em 1926 a linha foi electrificada, tendo inaugurado no país a tracção eléctrica no caminho de ferro. Antes disso, só a Carris tinha começado a utilizar a energia eléctrica como força motriz, em algumas das primeiras linhas dos eléctricos em Lisboa.

Não será demais sublinhar que junto às 17 estações e apeadeiros que existem ao longo desta Linha, se situam alguns dos locais de maior interesse histórico e turístico da zona da capital do País. Para os decisores políticos que não saibam, ou que eventualmente se tenham esquecido, vale a pena lembrar que a partir do apeadeiro de Belém é possível visitar o Museu dos Coches (único do seu género no mundo), o Palácio de Belém (residência oficial do Presidente da República) e respectivo museu, a fábrica dos Pastéis de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos e o recente Centro Cultural de Belém, totalmente dedicado às artes modernas. Próximos também, vale bem uma lição de história e de ciência visitar o Museu da Marinha e o Planetário de Lisboa; mais afastado o Museu de Etnologia, com colecções muito raras e algumas únicas, vindas das ex-colónias portuguesas. Assinale-se ainda para os mais dados aos prazeres do ar livre e dos desportos náuticos, incluindo o surf, que praticamente a partir do apeadeiro de Santo Amaro de Oeiras e até Cascais, é possível o acesso a diversas praias da denominada Costa do Sol. E, finalmente, na última estação encontra-se a vila de Cascais, muito bonita e acolhedora, que continua a ser visitada por grande número de turistas, devido ao seu clima ameno e à sua tranquilidade e beleza natural.

Por esta altura, talvez você comece a questionar sobre o que é que esta breve resenha, da história e da excelência da localização da Linha e da sua envolvência, tem a ver com a Linha de Cascais dos dias de hoje. Pois tem tudo a ver e mais ainda. Na verdade não pode esquecer-se que se trata de uma Linha que já foi a jóia da coroa, a melhor e a mais moderna, das linhas de portuguesas de caminho de ferro. Que já foi, de longe, a melhor e a mais moderna das linhas da área metropolitana de Lisboa. E hoje?

  
    Apeadeiro da Parede

Pois hoje o que se passa é exactamente o contrário. A Linha de Cascais é inquestionavelmente a pior das linhas da área metropolitana de Lisboa. A sua última renovação data de 1975. Um ano depois cessou a sua concessão à Sociedade Estoril, tendo sido integrada em 1976 na CP, entretanto nacionalizada. De então para cá a Linha de Cascais parou no tempo e degradou-se continuamente. Parou no tempo em matéria de via, parou no tempo em matéria de estações, parou no tempo em matéria de sinalização e parou no tempo em matéria de material circulante.

Em especial nos últimos anos, em que a gestão do PS tanto proclamou o seu interesse pelo caminho de ferro, que foi feito para alterar o manifesto estado de degradação da Linha de Cascais? Que investimentos fizeram a REFER e a CP para alterarem a manifesta decadência nesta maravilhosa Linha?

Entretanto a REFER limitou-se a suprimir umas quantas passagens de nível e a CP a suprimir comboios, devido às frequentes avarias nos rodados e motores das velhas automotoras com mais de 60 anos. Vem a propósito lembrar, que estas velhas automotoras foram objecto de uma operação plástica ao visual em 1997, mas como os motores ficaram os mesmos, as avarias continuaram a repetir-se porque os anos não perdoam. Por essa razão, na gíria ferroviária estas automotoras foram desde então baptizadas por “Lili Caneças”, pelo facto de com essa plástica terem ficado com um aspecto de novas por fora. Mesmo assim já lá vão 12 anos.

                                      
     Estação de Cais do Sodré

Perante este degradado estado das coisas na Linha de Cascais, o mínimo que a gestão do PS poderia fazer em ano de eleições, era anunciar o lançamento de concursos para a sua modernização. E foi o que fez. Embora a REFER já em 2006 tivesse declarado à imprensa que os projectos se encontravam concluídos e pronto a arrancar. Mas tal de facto não chegou a passar de mais uma falsa partida. Só agora em Agosto de 2009, a um mês das eleições para nova legislatura, foram publicados os anúncios de três concursos destinados a acabar com o vergonhoso estado de decadência em que a Linha se encontra. Dois desses concursos lançados pela REFER: um para a renovação da via, a substituição da catenária para garantir a interoperabilidade com a restante rede e a requalificação das estações; e outro para substituir o anacrónico sistema de sinalização. A CP por sua vez publicou finalmente o lançamento de um concurso para substituir as velhinhas automotoras.

E não foi por falta de procura como por vezes se pretende fazer acreditar que não se justifica fazerem os investimentos para modernizar as linhas ferroviárias degradadas. Neste, como noutros casos, a procura sempre existiu e só não é maior, porque as condições do serviço público ferroviários são más e não atendem nem às necessidades, nem à comodidade nem às preferências os passageiros. A Linha de Cascais transporta actualmente 30 milhões de passageiros/ano, mas os estudos de mercado indicam que, com a modernização do serviço ferroviário, o seu número facilmente aumentaria em cerca de 50%, ou seja, poderia retirar do tráfego rodoviário congestionado, mais demorado, mais caro e mais poluente, cerca de 15 milhões de passageiros/ano.

Ora há que ter presente que o seu lançamento só agora, determina que os programas destes concursos prevêem que os projectos só venham a ficar prontos no final de 2010, devendo as obras de execução vir a decorrer entre 2011 e 2014. Isto sem contar com o imbróglio criado com o polémico Nó de Alcântara, que já indicia vir a arrastar-se por mais uns anos. Ou seja, em condições normais, as obras a concurso irão decorrer durante as duas  próximas legislaturas e, naturalmente, sob a governação de protagonistas diferentes. Isto quer dizer, que este governo do PS, que com  maioria absoluta durante quatro anos  dispôs de todos instrumentos para aprovar e realizar os investimentos que seleccionou, e de acordo com as prioridades que entendeu, não investiu na Linha de Cascais praticamente nada.

Pelo contrário, despromoveu, negligenciou, deixou continuar a degradar-se até ao nível mais baixo da hierarquia das linhas suburbanas que servem qualquer área metropolitana, aquela que já foi a melhor e mais moderna Linha ferroviária do País. Uma Linha que apesar de tudo ainda transporta 30 milhões de passageiros/ano. Mesmo assim, esta gestão do PS que dispunha de todas as condições favoráveis para tomar decisões como nenhuma outra, não investiu, não modernizou, não fez obra nova. Foi fazendo de conta, atrasando os projectos,  suprimindo comboios, amontoando e afastando passageiros. Passou o tempo a ditar notícias para os jornais e a promover eventos para anunciar. Mas não fez obra, limitou-se a anunciá-la para que outros a seguir a façam. Foi pouco, foi insuficiente, foi lamentável e os portugueses certamente saberão julgar.


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O desprezo pela Linha do Vouga

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O abandono da Linha do Algarve


O volume de tráfego nesta linha situa-se na ordem dos 900 mil de passageiros/ano, número que representa uma percentagem ínfima da deslocação, por todos os meios de transporte possíveis, de pessoas na sua área de influência densamente povoada.

O Algarve é o cartão de visita de Portugal para muitos turistas da Europa que anualmente  aí vêm passar férias, aproveitando o calor do seu esplendoroso sol, a amenidade do seu clima e a tepidez da água nas suas extensa praias de areia branca. Não obstante, em matéria de transporte ferroviário o país continua apenas a ter para lhes oferecer, ao longo da faixa de todo o litoral algarvio, uma solução desconfortável, lenta, degradada, e arcaica, como só já existe em países do 3.º mundo. Basta dizer que o último investimento de algum significado nesta Linha do Algarve foi feito, no troço entre Faro e Olhão, em 1992.



Com uma Linha a que nos últimos anos apenas se foram pondo remendos, não é de admirar que as velhas automotoras diesel, com mais de 30 anos, para fazer o percurso de 139,5 km da sua extensão, entre Vila Real de Santo António e Lagos, levem aproximadamente 3 horas a uma velocidade média que ronda uns incríveis 50 Kms/hora. Quando para o mesmo percurso em automóvel, com o trânsito por vezes congestionado em vários troços, se leva cerca de metade tempo.

Como seria de esperar a Linha nestas condições nunca poderia ter uma exploração comercial rentável. Mas a questão está longe de se esgotar tão linearmente com a constatação dos seus actuais prejuízos. A questão a colocar é que, com o actual estado de abandono e degradação, o caminho de ferro na Linha do Algarve, sendo uma infra-estrutura básica com naturais potencialidades para o desenvolvimento da maior região turística do país, constitui um factor endógeno quase completamente desperdiçado.

Com efeito, o seu avançado estado de decadência, quer ao nível do lamentável do estado da via, quer ao nível degradante das estações, quer ao nível do arqueológico estado da sinalização e das comunicações, são a prova mais que evidente, do alheamento, do desinteresse, do desinvestimento, da incúria, e do abandono a que foi votada a Linha do Algarve, especialmente nos últimos anos, pela gestão governativa do PS.

Nessas miseráveis condições de operação, de imobilismo e de decadência, não pode deixar de concluir-se que a gestão do transporte ferroviário no Algarve não cumpriu a sua missão. Não investiu, não inovou, não assumiu um papel estruturante, não alcançou uma visão de progresso. Pelo contrário, conformou-se, parou no tempo, regrediu e esteve aquém do que seria uma contribuição minimamente aceitável, como factor de desenvolvimento e atractividade turística duma região tão privilegiada por condições naturais. Por força duma gestão de curtos horizontes, ficou muito longe desse objectivo. Não contribuiu para o seu progresso, não favoreceu a sua imagem e não promoveu como devia a melhoria das condições sócio-económicas da região.

E como contra factos não há argumentos, basta ter presente que para resolver esse anacronismo ferroviário, não foram realizados quaisquer investimentos nos últimos quatro anos. Por enquanto, só um anúncio feito em Agosto, de que a REFER vai lançar (já lançou?) as empreitadas para beneficiar os pontos mais críticos da linha e substituir as travessas de madeira por travessas de betão. Só isso e só agora, em véspera de eleições.

É pouco. O Algarve precisa de mais. Precisa de um plano de modernização completo e integrado para uma nova Linha do Algarve, com duplicação da via e da sua electrificação, com nova sinalização, novos meios de segurança e de comunicação e de novo material circulante de tracção eléctrica. Porque o desenvolvimento sustentado de uma região não se promove só com artes do marketing, acrescentando apenas um “l” para dar à marca “All garve” uma sonoridade mais british.


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domingo, 20 de setembro de 2009

O congelamento da electrificação


Como se pode constatar pelo gráfico junto, o plano de electrificação praticamente estagnou a partir de 2004. A ligeira evolução desde então registada limita-se à conclusão de pequenos projectos de ligação.
 

Fonte: REFER - Relatório e Contas da de 2008 (publicado)

Ora esta paralisação é absolutamente surpreendente. Quer pelo facto de se tratar de um investimento altamente rentável a prazo, pela via da redução do custo da energia eléctrica utilizada, quer pela menor dependência do instável preço dos combustíveis, como o gasóleo utilizado na tracção por motoras diesel, quer ainda por razões ambientais, uma vez que a electricidade é uma energia limpa de poluição ambiental. Tanto mais que crescentemente tende a ser produzida a partir das energias renováveis.

Não se compreende assim porque razões terá sido congelada a partir de 2004 a electrificação de mais linhas da rede. A não ser por razões de travagem do investimento público no caminho de ferro, ao contrário da inflamada proclamação dos discursos em todas as declarações públicas dos governantes.

Atente-se que o congelamento da electrificação teve impacto decisivo no bloqueio às restantes vertentes do investimento em infra-estruturas ferroviárias, desde a modernização e beneficiação das linhas, sinalização e estações, até à renovação do próprio material circulante. Pois com a linha electrificada, só é possível obter rentabilidade do investimento com material circulante de tracção eléctrica.

Visto com objectividade, é hoje absolutamente inegável que, na sua expressão mais estruturante, toda a evolução do sistema ferroviário nos últimos quatro anos, ficou bloqueada pela decisão política centrada na paragem do elemento chave da electrificação.


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sábado, 19 de setembro de 2009

O desnorte na Linha do Norte


A linha do Norte que liga as duas maiores cidades do país é considerada a coluna vertebral do sistema ferroviário português. A sua modernização beneficiará não só a aproximação entre Lisboa e Porto, mas também a acessibilidade de cidades interiores conectadas à linha do Norte, através das linhas da Beira Alta e da Beira Baixa, permitindo reduzir substancialmente os tempos de viagem por caminho de ferro entre as principais cidades do norte e do centro e a capital do país. A sua modernização tem por isso uma importância acrescida no plano económico e social.


No inicio da actual legislatura, cerca de dois terços da extensão da linha do Norte encontravam-se então já renovados, prevendo-se à data que a ambicionada conclusão do projecto de renovação integral da linha viesse a ficar terminada no primeiro trimestre de 2008. Como se sabe, apesar das boas intenções dos discursos e do habitual rigor dos planos, após mais de uma década de renovação da linha, e muitos milhões de euros depois, as obras não têm ainda fim à vista e o tempo de percurso de comboio entre Lisboa e o Porto, continua a demorar cerca de 2 horas e 40 minutos, ou seja, com um modesto ganho de uns escassos minutos a menos do que há 30 anos.


Não sendo o projecto de renovação da linha do Norte um problema recente, nem a sua origem da responsabilidade deste governo, não pode ainda assim deixar de assinalar-se a confusão gerada nestes últimos anos, com graves reflexos no arrastar do projecto e, sobretudo, a sua contaminação com a problemática urgência do designado TGV. De facto, a partir da polémica gerada em torno da discussão sobre a hipótese de construção de uma nova linha exclusiva para a alta velocidade, o mérito da  exploração comercial pensada inicialmente para a linha do Norte começou a ser posta em dúvida. Ou seja, de uma linha prioritária, considerada como a coluna dorsal do sistema, com a hipótese da construção de uma nova linha paralela para o TGV em bitola europeia, a linha do Norte passou a ser perspectivada como mais uma linha da rede convencional de via larga, destinada a tráfegos intercidades, regionais, suburbanos e de mercadorias, mais conjugáveis e menos prioritários.


Instalada esta nova visão do futuro para a linha do Norte, cuja concorrência com a nova linha a construir se tornou imperioso evitar, a sua consequência imediata foi mais uma brusca frenagem nas obras de renovação, determinando-se a reavaliação dos estudos anteriores e dos projectos ainda em curso, alterando os parâmetros para a velocidade máxima de 160 Km/h, ao que inicialmente tinha sido projectado para a velocidade de 220 Km/h.


Desta nova e abrupta reorientação do projecto de renovação decorrem naturalmente várias contingências e  outras tantas interrogações. A primeira diz respeito ao repentino volte face das prioridades de política e de investimento. Um dos problemas actuais na linha do Norte, como se sabe, consiste na sobreposição de vários tráfegos, especialmente nas zonas de proximidade de Lisboa e Porto, onde ao tráfego de longo curso se sobrepõe o tráfego suburbano de passageiros. Para essas zonas tem-se encarado a quadruplicação das vias como a solução técnica para o problema, que, não obstante, enfrenta enormes constrangimentos no plano prático, dado que parte desses troços se situa actualmente dentro da malha urbana das áreas metropolitanas.


Por outro lado, tendo refreado o ritmo das obras, a REFER atrasou também a possibilidade de estabilização da velocidade na linha do Norte, que tem hoje cerca de 30 afrouxamentos por restrições de vária ordem, e sem a qual não será praticamente possível reduzir os tempos de percurso. E começam então agora a surgir as questões que mais queimam nesta nova configuração, com duas linhas praticamente paralelas Lisboa-Porto. Entre outras: - Como tirar rentabilidade do pesado investimento de muitos e muitos milhões, realizado ao longo de mais de uma década, na renovação da linha do Norte? - Qual o futuro para os comboios Pendulares, na hipótese de serem afastados da concorrência com a alta velocidade?


Ou seja, a emergência assumida por este governo ao considerar a prioridade do TGV entre Lisboa e Porto, com a sua ligação a Espanha, a norte por Vigo, veio introduzir mais desnorte na já complexa engrenagem do projecto de renovação da linha do Norte, travou o investimento, atrasou as obras de renovação, e continuam por resolver todos os problemas anteriores.



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O congelamento da electrificação

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Investimentos realizados no sector ferroviário


A máquina de propaganda socialista montou uma campanha para tentar convencer a opinião pública de que o PS era o grande, e único, defensor do investimento público.

No sector dos transportes, o maior cavalo de batalha socialista tem sido a alardeada publicidade aos megalómanos investimentos como o TGV e a construção do novo aeroporto, que só podia ser na OTA, porque a sul do Tejo “jamais”. E toda essa ânsia pelo urgente lançamento de grandes concursos de obras públicas, sem que seja sequer ponderada a gravíssima situação de endividamento do país, apesar dos repetidos alertas por diversas vozes com credibilidade e reconhecido conhecimento técnico, de fora e até de dentro do próprio PS.

Ora não há ninguém que more numa casa pequena, sombria ou húmida que não gostasse de ter uma maior, com bons acabamentos, soalheira, e se possível até com jardim. Como não há quem tenha um carro ruidoso, com avarias frequentes, que não deseje ter um moderno, silencioso e com toda a tecnologia mais recente. A questão não está na legitimidade que todos temos de aceder a coisas melhores, a questão está se temos ou não rendimentos para isso. Ou se para termos todos esses bens já, devemos endividarmos, irresponsavelmente, sem qualquer preocupação com a nossa real capacidade de cumprir os compromissos futuros de os pagar. Se devemos, ou não, hipotecar completamente o nosso futuro e o futuro das gerações vindouras, com dívidas tão elevadas que para as cumprir se tornará necessário deixar de satisfazer necessidades básicas como comer, vestir, cuidar da saúde ou da educação.

Por outro lado, no que se refere ao sector ferroviário a falácia em que assenta a pretensa paixão socialista pelo investimento público não podia ser maior. Com efeito, os próprios números das empresas públicas do sector indicam precisamente que os últimos quatros anos de governação do PS, com maioria absoluta, são precisamente o período de menor investimento ferroviário nos últimos dez anos. Veja só o seguinte gráfico:


Fonte: REFER - Relatório e Contas da de 2008 (publicado)

Por outro lado, para além da brutal quebra registada, o investimento realizado em infraestruturas ferroviárias pautou-se em geral pela persistência em erros do passado, ou por critérios de orientações sem coerência a que faltou uma visão sistémica integrada. Deste modo, podem claramente identificar-se um conjunto de erros capitais do investimento ferroviário, realizado e, mais popriamente, do que a gestão PS deixou por realizar nos quatro últimos anos, que iremos publicar sucessivamente.


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terça-feira, 15 de setembro de 2009


Ferroviários Social Democratas

No termo desta legislatura de quatro anos de governação do PS, com maioria absoluta, é chegado o tempo de fazer um balanço do que foi a sua gestão no sector ferroviário.


1. Um modelo virtual

Uma das marcas do modelo de gestão implementado pelo PS no sector ferroviário pautou-se pela forte diminuição da autonomia de gestão das empresas do sector. Como nunca aconteceu antes, muitos dos seus actos de mera gestão corrente foram recorrentemente ditados por intervenções comandadas por uma extensa corte palaciana de assessores sediada na tutela. Remetendo as administrações das empresas para o papel de mero executor de uma política desarticulada, em que à coerência estratégia quase sempre se sobrepuseram acções isoladas e objectivos contraditórios.

Prova disso foram as sucessivas mudanças na estrutura organizativa da REFER, com a repetida criação e extinção de sucessivas Direcções Gerais, com enquadramentos orgânicos e funcionias para todos os gostos, num desnorte que mais pareceu inspirado pelo interesse de nomear pessoas, do que por reais objectivos de gestão. A instabilidade funcional da empresa resultante desta permanente dança de cadeiras, correndo atrás de um precário equlíbrio de forças, sistematicamente minado pela intriga entre diferentes grupos de interesses dentro da família política do PS, tornou-se assim a sua mais marcante realização.
Nas restantes empresas do sector o panorama geral não foi muito diferente. Também nestas as interferências da tutela foram mais ou menos excessivas e frequentes, controlando a acção em vez dos resultados, segundo um tratamento hierarquizado próprio de simples repartições na sua administração directa. Perante essa ostensiva falta de autonomia, a completa submissão das empresas tornou-se não só a consequência natural, como também a mais cómoda. Tomar iniciativas próprias de gestão tornou-se para as admintrações um risco demasiado. Em compensação, promover eventos que pudessem propiciar anúncios, pré-anúncios, ou "inaugurações" de início de projectos, mesmo que insignificantes, tornou-se uma prática incentivada, apoiada e de manifesto agrado no seio da corte instalada no palácio.
Tudo o que a máquina de propaganda, montada pelos gabinetes de comunicação de cada empresa, pudesse conceber para fazer sair diariamente notícias e fotografias da tutela na imprensa, de preferência com declarações nos telejornais, tonou-se verdadeiramente a actividade mais promissora na vida das empresas. O objectivo principal converteu-se num contínuo show-off político, para manter o espaço mediático preenchido com cenários iluminados por imagens virtuais de sonho, e com isso ofuscar toda a restante realidade. Uma realidade material, substantiva, concreta, que não pula nem avança com passes de mágica e é quase sempre menos colorida do que parece quando projectada nos ecrans.
Por sua vez, a integração do INTF na estrutura do novo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT), serviu simplesmente para afogar o Regulador ferroviário numa enormidade burocrática, desesperada e submersa na prescrição de milhares e milhares de multas de trânsito rodoviário. A partir daí nunca mais se viu emergir qualquer tomada de iniciativa de regulação ferroviária, digna de relevo. Por outro lado, é óbvio que no quadro do modelo implementado pelo PS, também nunca seria de esperar o apoio político à actividade do Regulador ferroviário, através da dotação de efectivos e meios técnicos necessários, que lhe pudessem conferir qualquer auntonomia funcional. Pelo contrário, a táctica usada visou precisamente evitar o seu reforço e eficácia, prevenindo que este algum dia pudesse ceder à tentação de intervir autonomamente à revelia de conveniências conjunturais, com elevado risco de colidir com o manifesto ímpeto intervencionista da tutela. Foi por tais receios, que a sua capacidade de intervenção reguladora, acabou deliberadamente por ser deixada em banho-maria.
Se assim não fosse, como se compreenderia que para homologar as novas locomotivas 4700, tenham permanecido parqueadas no Poceirão, durante mais de seis meses, várias destas locomotivas já completamente prontas, só por divergências burocráticas entre a REFER e a CP? E, perante as birras desse impasse, que acções se conhecem da anunciada Unidade de Regulação Ferroviária, que se previa dotada de independência funcional? Ou seja, no meio desta inglória tormenta, os factos provam que subtraído o apoio político e bloqueado o leme da sua iniciativa, a regulação ferroviária praticamente naufragou. Resta esperar que, tratando-se de uma função cada vez mais indispensável, ainda seja possível reanimá-la.
Também o novo IMTT, enredado numa teia burocrática herdada da extinta DGTT, continuou a não cumprir o seu papel de elemento de inovação, disciplina e estabilidade que lhe deveria caber como Regulador da actividade dos vários modos de transporte. Antes acentuou um vazio preocupante num momento decisivo em que o sector ferroviário está no início de um processo de liberalização, contando já hoje com novos operadores no transporte de mercadorias e perspectivando-se, a partir do início de 2010, também no transporte de passageiros.

Quanto às “Orientação Estratégicas para o Sector Ferroviário”, quem ainda se lembra delas depois da sua pomposa apresentação mediática em Outubro de 2006? Passados três anos, haverá quem consiga adivinhar quais dessas linhas estão concretizadas e quais ainda não passaram de mais um anúncio? E porventura alguém sabe em que gavetões repousam as cinzas dos solenes Planos Estratégicos das empresas? E onde está o então prometido Plano Director da Rede Ferroviária Nacional? E o que dizer da invisibilidade das Autoridades Metropolitanas dos Transportes? Já existem e os cargos já foram ocupados. Mas alguém sabe quem são e o que é que já fizeram os seus titulares?

Outro aspecto que importa ter em conta no balanço destes anos de gestão do PS, tem a ver com a mais ostensiva asfixia democrática depois do 25 de Abril. À semelhança do que se passou no país em geral, também no sector ferroviário só houve lugar para uma cor e para opiniões com ela alinhadas. Os cargos relevantes de chefia estão hoje absolutamente todos ocupados por pessoas do PS, ou amigas de alguém com influência no partido. Alguns ferroviários, certamente competentes. E outros, nem ferroviários, nem o resto, porque os critérios da filiação política, do seu círculo de interesses, fidelidades e compadrios, sobreposeram-se a tudo. Pois como é público e notório as empresas do sector também serviram como pródigas filiais de emprego, sempre que convinha. Quanto aos ferroviários não alinhados com o PS, única corrente política dominante admitida, mesmo os mais competentes, ou foram sistematicamente remetidos para posições subalternas, ou inactivados em prateleiras e arrumados em gabinetes de águas furtadas, onde para não atrapalhar se depositam coisas que já não servem, ou simplesmente silenciados pela ameaça, ou pela humilhação de funções mais ou menos inúteis.

Este modelo de gestão do PS, não visou, não soube, ou não conseguiu, a conjugação de competências, de esforços, de iniciativas e de vontades para atingir um patamar superior de desenvolvimento no sector. Não integrou os ferroviários em torno de estruturas, equipas e objectivos comuns. Pelo contrário, ignorou e desperdiçou recursos e competências endógenas. Não dotou o sector da motivação necessária para enfrentar os novos desafios do futuro. Não teve a clarividência, não foi capaz, ou não soube gerir a constituição de equipas plurais, motivadas para impulsionar o progresso. Em vez disso, promoveu a instabilidade, o carreirismo e a disputa pelos lugares à custa da influência. Não uniu, dividiu. Não congregou, segregou. Não desenvolveu, prometeu. Não libertou, asfixiou. Não incentivou a confiança, instalou o medo. Medo de propor alternativas, medo de pensar autonomamente, medo de discordar, e medo de sofrer as consequências.

Os resultados estão à vista de todos os portugueses: o descrédito, a baixa autoestima, o desmprego, o receio do futuro, o pessimismo. Tudo o contrário do que o país precisa para sair da crise. E para recuperar a notória degradação do serviço público de transporte por caminho de ferro, a que a gestão do PS, encoberta por uma densa nuvem de propaganda, conduziu o sistema nacional ferroviário que temos.



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