terça-feira, 22 de setembro de 2009

A degradação da Linha de Cascais


Projectada com inspiração na Riviera francesa, conjuntamente com projectos associados ao lazer e à concessão do jogo, a Linha de Cascais liga a estação de Cais do Sodré, em Lisboa, à estação de Cascais. Possui uma extensão de 25,5 km e foi inaugurada a 30 de Setembro de 1889, estando apenas a oito dias de completar 120 anos.

Mais ou menos por essa época, Cascais tornou-se especialmente conhecida pela realização de grandes regatas internacionais patrocinadas pela Casa Real que, aqui instalou o Paço Real na fortaleza de Cidadela, após o seu regresso do Brasil. Na memória estava ainda presente, a vantagem que representava uma localização estratégica com maior facilidade de eventual de retirada, e as pilhagens praticadas pelas invasões napoleónicas. A natural atracção pela proximidade da Corte fez com que aqui se tenham vindo a instalar algumas das famílias abastadas do país. As construções apalaçadas começaram assim a surgir progressivamente. O mesmo foi acontecendo ao longo da Linha, tendo começado a surgir os famosos chalés no Estoril, na Parede, em Oeiras e em Carcavelos.


   Próximo de Caxias

Após o simbolismo da romântica vila de Sintra, ter uma residência em Cascais ou no Estoril, tornou-se um sinal de prosperidade e de prestígio social, como elemento identificador de famílias com posses e passado. Junto à estação do Estoril, habitada por diversos monarcas no exílio (como os reis de Itália e de Espanha) foi construído Casino do Estoril, que já foi em tempos classificado como um dos maiores da Europa.

Neste contexto social de elite, o interesse pela Linha de Cascais foi aumentando progressivamente. De tal modo que logo em 1926 a linha foi electrificada, tendo inaugurado no país a tracção eléctrica no caminho de ferro. Antes disso, só a Carris tinha começado a utilizar a energia eléctrica como força motriz, em algumas das primeiras linhas dos eléctricos em Lisboa.

Não será demais sublinhar que junto às 17 estações e apeadeiros que existem ao longo desta Linha, se situam alguns dos locais de maior interesse histórico e turístico da zona da capital do País. Para os decisores políticos que não saibam, ou que eventualmente se tenham esquecido, vale a pena lembrar que a partir do apeadeiro de Belém é possível visitar o Museu dos Coches (único do seu género no mundo), o Palácio de Belém (residência oficial do Presidente da República) e respectivo museu, a fábrica dos Pastéis de Belém, o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos e o recente Centro Cultural de Belém, totalmente dedicado às artes modernas. Próximos também, vale bem uma lição de história e de ciência visitar o Museu da Marinha e o Planetário de Lisboa; mais afastado o Museu de Etnologia, com colecções muito raras e algumas únicas, vindas das ex-colónias portuguesas. Assinale-se ainda para os mais dados aos prazeres do ar livre e dos desportos náuticos, incluindo o surf, que praticamente a partir do apeadeiro de Santo Amaro de Oeiras e até Cascais, é possível o acesso a diversas praias da denominada Costa do Sol. E, finalmente, na última estação encontra-se a vila de Cascais, muito bonita e acolhedora, que continua a ser visitada por grande número de turistas, devido ao seu clima ameno e à sua tranquilidade e beleza natural.

Por esta altura, talvez você comece a questionar sobre o que é que esta breve resenha, da história e da excelência da localização da Linha e da sua envolvência, tem a ver com a Linha de Cascais dos dias de hoje. Pois tem tudo a ver e mais ainda. Na verdade não pode esquecer-se que se trata de uma Linha que já foi a jóia da coroa, a melhor e a mais moderna, das linhas de portuguesas de caminho de ferro. Que já foi, de longe, a melhor e a mais moderna das linhas da área metropolitana de Lisboa. E hoje?

  
    Apeadeiro da Parede

Pois hoje o que se passa é exactamente o contrário. A Linha de Cascais é inquestionavelmente a pior das linhas da área metropolitana de Lisboa. A sua última renovação data de 1975. Um ano depois cessou a sua concessão à Sociedade Estoril, tendo sido integrada em 1976 na CP, entretanto nacionalizada. De então para cá a Linha de Cascais parou no tempo e degradou-se continuamente. Parou no tempo em matéria de via, parou no tempo em matéria de estações, parou no tempo em matéria de sinalização e parou no tempo em matéria de material circulante.

Em especial nos últimos anos, em que a gestão do PS tanto proclamou o seu interesse pelo caminho de ferro, que foi feito para alterar o manifesto estado de degradação da Linha de Cascais? Que investimentos fizeram a REFER e a CP para alterarem a manifesta decadência nesta maravilhosa Linha?

Entretanto a REFER limitou-se a suprimir umas quantas passagens de nível e a CP a suprimir comboios, devido às frequentes avarias nos rodados e motores das velhas automotoras com mais de 60 anos. Vem a propósito lembrar, que estas velhas automotoras foram objecto de uma operação plástica ao visual em 1997, mas como os motores ficaram os mesmos, as avarias continuaram a repetir-se porque os anos não perdoam. Por essa razão, na gíria ferroviária estas automotoras foram desde então baptizadas por “Lili Caneças”, pelo facto de com essa plástica terem ficado com um aspecto de novas por fora. Mesmo assim já lá vão 12 anos.

                                      
     Estação de Cais do Sodré

Perante este degradado estado das coisas na Linha de Cascais, o mínimo que a gestão do PS poderia fazer em ano de eleições, era anunciar o lançamento de concursos para a sua modernização. E foi o que fez. Embora a REFER já em 2006 tivesse declarado à imprensa que os projectos se encontravam concluídos e pronto a arrancar. Mas tal de facto não chegou a passar de mais uma falsa partida. Só agora em Agosto de 2009, a um mês das eleições para nova legislatura, foram publicados os anúncios de três concursos destinados a acabar com o vergonhoso estado de decadência em que a Linha se encontra. Dois desses concursos lançados pela REFER: um para a renovação da via, a substituição da catenária para garantir a interoperabilidade com a restante rede e a requalificação das estações; e outro para substituir o anacrónico sistema de sinalização. A CP por sua vez publicou finalmente o lançamento de um concurso para substituir as velhinhas automotoras.

E não foi por falta de procura como por vezes se pretende fazer acreditar que não se justifica fazerem os investimentos para modernizar as linhas ferroviárias degradadas. Neste, como noutros casos, a procura sempre existiu e só não é maior, porque as condições do serviço público ferroviários são más e não atendem nem às necessidades, nem à comodidade nem às preferências os passageiros. A Linha de Cascais transporta actualmente 30 milhões de passageiros/ano, mas os estudos de mercado indicam que, com a modernização do serviço ferroviário, o seu número facilmente aumentaria em cerca de 50%, ou seja, poderia retirar do tráfego rodoviário congestionado, mais demorado, mais caro e mais poluente, cerca de 15 milhões de passageiros/ano.

Ora há que ter presente que o seu lançamento só agora, determina que os programas destes concursos prevêem que os projectos só venham a ficar prontos no final de 2010, devendo as obras de execução vir a decorrer entre 2011 e 2014. Isto sem contar com o imbróglio criado com o polémico Nó de Alcântara, que já indicia vir a arrastar-se por mais uns anos. Ou seja, em condições normais, as obras a concurso irão decorrer durante as duas  próximas legislaturas e, naturalmente, sob a governação de protagonistas diferentes. Isto quer dizer, que este governo do PS, que com  maioria absoluta durante quatro anos  dispôs de todos instrumentos para aprovar e realizar os investimentos que seleccionou, e de acordo com as prioridades que entendeu, não investiu na Linha de Cascais praticamente nada.

Pelo contrário, despromoveu, negligenciou, deixou continuar a degradar-se até ao nível mais baixo da hierarquia das linhas suburbanas que servem qualquer área metropolitana, aquela que já foi a melhor e mais moderna Linha ferroviária do País. Uma Linha que apesar de tudo ainda transporta 30 milhões de passageiros/ano. Mesmo assim, esta gestão do PS que dispunha de todas as condições favoráveis para tomar decisões como nenhuma outra, não investiu, não modernizou, não fez obra nova. Foi fazendo de conta, atrasando os projectos,  suprimindo comboios, amontoando e afastando passageiros. Passou o tempo a ditar notícias para os jornais e a promover eventos para anunciar. Mas não fez obra, limitou-se a anunciá-la para que outros a seguir a façam. Foi pouco, foi insuficiente, foi lamentável e os portugueses certamente saberão julgar.


Próximo tema:
O desprezo pela Linha do Vouga

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