terça-feira, 15 de setembro de 2009


Ferroviários Social Democratas

No termo desta legislatura de quatro anos de governação do PS, com maioria absoluta, é chegado o tempo de fazer um balanço do que foi a sua gestão no sector ferroviário.


1. Um modelo virtual

Uma das marcas do modelo de gestão implementado pelo PS no sector ferroviário pautou-se pela forte diminuição da autonomia de gestão das empresas do sector. Como nunca aconteceu antes, muitos dos seus actos de mera gestão corrente foram recorrentemente ditados por intervenções comandadas por uma extensa corte palaciana de assessores sediada na tutela. Remetendo as administrações das empresas para o papel de mero executor de uma política desarticulada, em que à coerência estratégia quase sempre se sobrepuseram acções isoladas e objectivos contraditórios.

Prova disso foram as sucessivas mudanças na estrutura organizativa da REFER, com a repetida criação e extinção de sucessivas Direcções Gerais, com enquadramentos orgânicos e funcionias para todos os gostos, num desnorte que mais pareceu inspirado pelo interesse de nomear pessoas, do que por reais objectivos de gestão. A instabilidade funcional da empresa resultante desta permanente dança de cadeiras, correndo atrás de um precário equlíbrio de forças, sistematicamente minado pela intriga entre diferentes grupos de interesses dentro da família política do PS, tornou-se assim a sua mais marcante realização.
Nas restantes empresas do sector o panorama geral não foi muito diferente. Também nestas as interferências da tutela foram mais ou menos excessivas e frequentes, controlando a acção em vez dos resultados, segundo um tratamento hierarquizado próprio de simples repartições na sua administração directa. Perante essa ostensiva falta de autonomia, a completa submissão das empresas tornou-se não só a consequência natural, como também a mais cómoda. Tomar iniciativas próprias de gestão tornou-se para as admintrações um risco demasiado. Em compensação, promover eventos que pudessem propiciar anúncios, pré-anúncios, ou "inaugurações" de início de projectos, mesmo que insignificantes, tornou-se uma prática incentivada, apoiada e de manifesto agrado no seio da corte instalada no palácio.
Tudo o que a máquina de propaganda, montada pelos gabinetes de comunicação de cada empresa, pudesse conceber para fazer sair diariamente notícias e fotografias da tutela na imprensa, de preferência com declarações nos telejornais, tonou-se verdadeiramente a actividade mais promissora na vida das empresas. O objectivo principal converteu-se num contínuo show-off político, para manter o espaço mediático preenchido com cenários iluminados por imagens virtuais de sonho, e com isso ofuscar toda a restante realidade. Uma realidade material, substantiva, concreta, que não pula nem avança com passes de mágica e é quase sempre menos colorida do que parece quando projectada nos ecrans.
Por sua vez, a integração do INTF na estrutura do novo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT), serviu simplesmente para afogar o Regulador ferroviário numa enormidade burocrática, desesperada e submersa na prescrição de milhares e milhares de multas de trânsito rodoviário. A partir daí nunca mais se viu emergir qualquer tomada de iniciativa de regulação ferroviária, digna de relevo. Por outro lado, é óbvio que no quadro do modelo implementado pelo PS, também nunca seria de esperar o apoio político à actividade do Regulador ferroviário, através da dotação de efectivos e meios técnicos necessários, que lhe pudessem conferir qualquer auntonomia funcional. Pelo contrário, a táctica usada visou precisamente evitar o seu reforço e eficácia, prevenindo que este algum dia pudesse ceder à tentação de intervir autonomamente à revelia de conveniências conjunturais, com elevado risco de colidir com o manifesto ímpeto intervencionista da tutela. Foi por tais receios, que a sua capacidade de intervenção reguladora, acabou deliberadamente por ser deixada em banho-maria.
Se assim não fosse, como se compreenderia que para homologar as novas locomotivas 4700, tenham permanecido parqueadas no Poceirão, durante mais de seis meses, várias destas locomotivas já completamente prontas, só por divergências burocráticas entre a REFER e a CP? E, perante as birras desse impasse, que acções se conhecem da anunciada Unidade de Regulação Ferroviária, que se previa dotada de independência funcional? Ou seja, no meio desta inglória tormenta, os factos provam que subtraído o apoio político e bloqueado o leme da sua iniciativa, a regulação ferroviária praticamente naufragou. Resta esperar que, tratando-se de uma função cada vez mais indispensável, ainda seja possível reanimá-la.
Também o novo IMTT, enredado numa teia burocrática herdada da extinta DGTT, continuou a não cumprir o seu papel de elemento de inovação, disciplina e estabilidade que lhe deveria caber como Regulador da actividade dos vários modos de transporte. Antes acentuou um vazio preocupante num momento decisivo em que o sector ferroviário está no início de um processo de liberalização, contando já hoje com novos operadores no transporte de mercadorias e perspectivando-se, a partir do início de 2010, também no transporte de passageiros.

Quanto às “Orientação Estratégicas para o Sector Ferroviário”, quem ainda se lembra delas depois da sua pomposa apresentação mediática em Outubro de 2006? Passados três anos, haverá quem consiga adivinhar quais dessas linhas estão concretizadas e quais ainda não passaram de mais um anúncio? E porventura alguém sabe em que gavetões repousam as cinzas dos solenes Planos Estratégicos das empresas? E onde está o então prometido Plano Director da Rede Ferroviária Nacional? E o que dizer da invisibilidade das Autoridades Metropolitanas dos Transportes? Já existem e os cargos já foram ocupados. Mas alguém sabe quem são e o que é que já fizeram os seus titulares?

Outro aspecto que importa ter em conta no balanço destes anos de gestão do PS, tem a ver com a mais ostensiva asfixia democrática depois do 25 de Abril. À semelhança do que se passou no país em geral, também no sector ferroviário só houve lugar para uma cor e para opiniões com ela alinhadas. Os cargos relevantes de chefia estão hoje absolutamente todos ocupados por pessoas do PS, ou amigas de alguém com influência no partido. Alguns ferroviários, certamente competentes. E outros, nem ferroviários, nem o resto, porque os critérios da filiação política, do seu círculo de interesses, fidelidades e compadrios, sobreposeram-se a tudo. Pois como é público e notório as empresas do sector também serviram como pródigas filiais de emprego, sempre que convinha. Quanto aos ferroviários não alinhados com o PS, única corrente política dominante admitida, mesmo os mais competentes, ou foram sistematicamente remetidos para posições subalternas, ou inactivados em prateleiras e arrumados em gabinetes de águas furtadas, onde para não atrapalhar se depositam coisas que já não servem, ou simplesmente silenciados pela ameaça, ou pela humilhação de funções mais ou menos inúteis.

Este modelo de gestão do PS, não visou, não soube, ou não conseguiu, a conjugação de competências, de esforços, de iniciativas e de vontades para atingir um patamar superior de desenvolvimento no sector. Não integrou os ferroviários em torno de estruturas, equipas e objectivos comuns. Pelo contrário, ignorou e desperdiçou recursos e competências endógenas. Não dotou o sector da motivação necessária para enfrentar os novos desafios do futuro. Não teve a clarividência, não foi capaz, ou não soube gerir a constituição de equipas plurais, motivadas para impulsionar o progresso. Em vez disso, promoveu a instabilidade, o carreirismo e a disputa pelos lugares à custa da influência. Não uniu, dividiu. Não congregou, segregou. Não desenvolveu, prometeu. Não libertou, asfixiou. Não incentivou a confiança, instalou o medo. Medo de propor alternativas, medo de pensar autonomamente, medo de discordar, e medo de sofrer as consequências.

Os resultados estão à vista de todos os portugueses: o descrédito, a baixa autoestima, o desmprego, o receio do futuro, o pessimismo. Tudo o contrário do que o país precisa para sair da crise. E para recuperar a notória degradação do serviço público de transporte por caminho de ferro, a que a gestão do PS, encoberta por uma densa nuvem de propaganda, conduziu o sistema nacional ferroviário que temos.



Próximo tema:
Os investimentos realizados no sector ferroviário

1 comentário:

  1. Parabéns pela análise. Reflecte a realidade no universo ferroviário. Estamos nas vésperas da votação para a eleição de um novo Governo. Irá passar-se algo de diferente na nação ferroviária??

    ResponderEliminar